As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de licenciatura: tentando uma abordagem

Baixar o anexo original, na lista do macs_sul, por Le Bandoli
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de licenciatura: tentando uma abordagem1

Prof. Dr. Amaury Cesar Moraes – FEUSP

1.

Denominado neoliberal e flexibilizador de legislações,  o governo que se encerrou em 31/12/2002, não mereceria esses cognomes no que se refere a assuntos da educação. Aí o caráter legiferante  é digno de nota. Houve uma preocupação de intervir profundamente da educação infantil à pós-graduação, não deixando nada, nenhum iota que não fosse tocado ou retocado pelo Conselho Nacional de Educação a serviço do Ministério da Educação.

Prova disso é esse pequeno exercício de compreensão da legislação atinente à reforma dos cursos de licenciatura. Numa breve consulta, compulsamos, entre pareceres e resoluções, descontadas a LDB e outras referentes à educação básica, 7 (sete) fontes legais, algumas delas que visam esclarecer a outras ou emendá-las. São elas:

  1. Parecer CNE/CP 9/2001 de 8/5/2001;
  2. Resolução CNE/CP 1/2002 de 9/4/2002;
  3. Parecer CNE/CP 28/2001 de 2/10/2001;
  4. Resolução CNE/CP 2/2002 de 4/3/2002;
  5. Parecer CNE/CES 109/2002 de 13/3/2002;
  6. Parecer CNE/CES 492/2001 (pp.26-28);
  7. Resolução CNE/CES 17/2002 de 9/4/2002.
    Creio que essa legislação é suficiente, embora haja certamente outras leis anteriores que

se mantêm em vigor dado que não apresentam “disposições em contrário” à legislação atual e também não recorremos a pareceres ainda mais específicos  que visam responder a consultas de instituições de ensino, o que tornaria o trabalho ainda mais complicado e nem sempre esclarecedor como se poderia supor.

2.

Apenas como nota introdutória reclamo que haveria necessidade urgente de uma verdadeira consolidação das Leis da Educação ou um Código de Educação, capaz de dar uniformidade à legislação educacional e, sobretudo, passá-la pelo crivo de juristas com profundo conhecimento em ambos os campos – Direito e Educação -, pois o que se percebe muita vez são dispositivos legais descambarem para a digressão ou auto-interpretação, ultrapassando o seu caráter normativo, restringindo a competência e autonomia de quem aplica e interpreta a lei. Por vezes, por conta de Pareceres e Diretrizes nada sobra para que os sujeitos reais, objeto da legislação, tenham sua concretude reconhecida, isto é, suas vidas são desde já vividas antecipadamente – pela legislação.

Tais efeitos centralizadores e homogeneizadores decorrem certamente dessa entidade que em boa medida usurpa competências de outras instâncias fundamentais da vida democrática que são propriamente os Poderes Legislativo (Congresso Nacional) e Judiciário (Tribunais e Juizes Federais). Falo aqui do conselho Nacional de Educação, que veio a suceder o Conselho Federal de Educação, criado em parte como resposta à longa tramitação da Lei 4024/61 – 13 anos no Congresso. Observe-se que tem sido muito amplo o poder e alcance das leis derivadas – as regulamentações – impostas pelo CNE, a partir de dispositivos definidos pela LDB 9394/96, o que em outros casos demandavam um retorno e intervenção do Congresso Nacional.

3.

Dois casos seriam suficientes para entendermos, mesmo ficando no âmbito de nossos interesses:

LDB 9394/96, Art. 36, § 1º, III:

“§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizadas de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.

Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – Parecer CNE/CEB 15/1998:

(item 5.2) “Nesta área (Ciências Humanas) incluir-se-ão também os estudos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania, para cumprimento do que manda a letra da lei. (grifos da autora) No entanto, é indispensável lembrar que o espírito da LDB é muito mais generoso com a constituição da cidadania e não a confina a nenhuma disciplina específica, como poderia dar a entender uma interpretação literal da recomendação do inciso III do Parágrafo primeiro do artigo 36. Neste sentido, todos os conteúdos curriculares desta área, embora não exclusivamente dela, deverão contribuir para a constituição da identidade dos alunos e para o desenvolvimento de um protagonismo social solidário, responsável  e pautado na igualdade política.”

Resolução CEN/CEB 3/1998, Art. 10, § 2º. B

As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contesxtualizado para:

“b) Conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania.”

Como se vê, da LDB para a legislação derivada, que viria a regulamentar os dispositivo legal, o dispositivo legal perde sua força normativa e temos diluído seu objetivo original, em vista de uma “generosidade” que se quer que a lei tivesse. Nesse caso, o  sentido original que se poderia entender ‘disciplinar e específico’ – enquanto “domínio de conhecimentos de  Filosofia e Sociologia” – perde sua força ao ser entendido como “interdisciplinar e contextualizado”. Daí duas conseqüências óbvias: (a) a tentativa de resgate do sentido original pela proposta da obrigatoriedade das disciplinas nas escolas médias nacionais passa a ser interpretada como “corporativismo e negação da autonomia das escolas”, e (b) veto à obrigatoriedade das disciplinas, dada a solidariedade entre Presidência da República, Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação que emitiu tal parecer e resolução.

No outro extremo, temos:

LDB 9394/96, Artigos 65 e 82 :

Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas.

Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas para realização dos estágios dos alunos regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua jurisdição.”

E na legislação derivada, temos, por exemplo:

Parecer 109/2002:

Convém destacar que é a LDB que define o estágio (Art. 82) como elemento obrigatório na composição curricular dos cursos de graduação e, no caso da formação docente, prática de ensino de, no mínimo, 300 horas (Art. 65).

Cada instituição de Ensino Superior, portanto, deverá incluir no seu projeto pedagógico como componente curricular obrigatório, o estágio curricular supervisionado de ensino como momento da capacitação em serviço de 400 horas, que deverá ocorrer em unidades escolares onde o estagiário, ao final do curso, assume efetivamente, sob supervisão     o papel de professor.

“Acrescente-se  que em articulação com o estágio supervisionado e com as atividades de natureza acadêmica, importa à Instituição para 400 horas de prática como componente curricular a se realizar desde o início do curso, o que pressupõe relacionamento próximo com o sistema de educação escolar.”

Antes vale notar que esse Parecer 109/2002 decorre do parecer 9/2001, e se trata de uma resposta a uma consulta. Observe-se que aqui, a Conselheira (Profa. Silke Weber) começa por identificar “prática de ensino” com “estágio”, a partir da compreensão de que estágio para o docente é prática de ensino. Daí resultar para o futuro professor fazer 400 horas de estágio. Depois, separa-se o estágio da prática de ensino, agora identificada apenas como prática e redefinida como “prática como componente curricular”, que se articula com o estágio e com as atividades acadêmicas. Passar de 300 horas para 400 decorre de entender-se que (a) 300 horas são o mínimo e (b) muito pouco, sendo necessário acrescentar-lhe 1/3, perfazendo 400. (Parecer 9/2001 e Resolução 28/2001). O que resta de tudo isso é que das originais 300 horas de prática de ensino, temos agora, entre estágio e prática, 800 horas.

4.

Apesar disso, caberia aqui destacar, para que pudéssemos interpretar, aplicar e, sobretudo, operacionalizar, na legislação – mais especificamente a Resolução 2/2002 – ao menos duas outras passagens desse conjunto de leis:

Parecer CNE/CP 28/2001:

Isto posto, cabe a cada curso de licenciatura, dentro das diretrizes gerais e específicas pertinentes, dar a forma e a estrutura de duração, da carga horária, das horas, das demais atividades selecionadas, além da prática como componente curricular e do estágio. Cabe ao projeto pedagógico, em sua proposta curricular, explicitar a respectiva composição dos componentes curriculares das atividades práticas e científico-acadêmicas. Ao efetivá-los, o curso de licenciatura estará materializando e pondo em ação a identidade de sua dinâmica formativa dos futuros licenciandos”.

Resolução CNE/CP 1/2002

Art. 10. A Seleção e o ordenamento dos conteúdos dos diferentes âmbitos de conhecimento que comporão a matriz curricular para a formação de professores, de que trata esta Resolução, serão de competência da instituição de ensino, sendo o seu planejamento o primeiro passo para a transposição didática, que visa a transformar os conteúdos selecionados em objetivos de ensino dos futuros professores.

Art. 14. Nestas Diretrizes, é enfatizada a flexibilidade necessária, de modo que cada instituição formadora construa projetos pedagógicos inovadores e próprios, integrando os eixos articuladores nelas mencionados.

“§ 1º A flexibilidade abrangerá as dimensões teóricas e práticas, de interdisciplinaridade, dos conhecimentos a serem ensinados, dos que fundamentam a ação pedagógica, da formação comum e específica, bem como dos diferentes âmbitos do conhecimento e de autonomia intelectual e profissional.”

Aqui, nessas passagens, encontramos a oportunidade para que a reforma de cursos de licenciatura – tão necessária – possa ser feita sem que, agora, caminhe-se para uma mera pedagogização e esvaziamento dos cursos existentes até agora. Se antes, quer pela fala de professores e alunos, quer pela exposição de motivos e justificativa da reforma, como se lê, por exemplo no Parecer CNE/CP 9/2001, quer mesmo por uma “impressão generalizada”, a formação de professores era vista como problemática porque desequilibrada, predominado o bacharelado sobre a licenciatura; também não podemos ir para a “outra ponta da vara”, isto é, reduzir drasticamente a carga horária dos chamados conteúdos específicos e ampliar a de conteúdos chamados pedagógicos, numa vã expectativa de que se trata, por exemplo, de ampliação de métodos e técnicas de ensino. Caberia, certamente, repensar o perfil do licenciado e com isso pensar a estruturação de um currículo que atenda a esse perfil, sem no entanto inviabilizar a formação do bacharel que em muitas instituições está fortuitamente ligada à licenciatura  – hoje por motivos burocráticos, mercadológicos ou por mera tradição -, mas que pode ser aprofundada quer pela variedade de conteúdos e perspectivas que no bacharelado favorecem pensar em conteúdos da escola básica, quer pelo domínio de metodologias de pesquisa que no bacharelado favorecem pensar em metodologias para o ensino na escola básica também. Assim, o exercício da flexibilização na aplicação das regras definidas nas Diretrizes é um exercício de construção de um currículo  que verdadeiramente integre as formações numa só e que se reflita na própria identidade dos professores das instituições de ensino superior.

5.

Apenas a título de exemplos, apresento duas propostas que vêm sendo construídas por instituições universitárias diferentes, uma federal – UFSM-RS -, outra federal – USP. São interpretações diversas da Resolução CNE/CP 2/2002.

5a. Universidade Federal de Santa Maria – Centro de Educação

  • Fundamentos, Organização e Gestão do Trabalho Educativo – 360 horas – inciso III (1800 h para os conteúdos curriculares de atividades acadêmico-científico-culturais em sala de aula);
  • Pesquisa Educacional – 240 horas – – inciso III (1800 h para os conteúdos curriculares de atividades acadêmico-científico-culturais em sala de aula);
  • Organização e Sistematização do Trabalho Docente e dos Saberes Escolares – 120 horas – inciso III (1800 h para os conteúdos curriculares de atividades acadêmico-científico-culturais em sala de aula);
  • Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação do Trabalho Docente – 400 horas inciso II (estágio supervisionado)
  • Prática Educativa – 200 horas  – inciso I (prática como componente curricular)

5b. Universidade de São Paulo – FEUSP e Insitutos e Faculdades com Licenciatura

– Prática como componente curricular: 400 horas = FE: 100h + Inst/Fac.: 300h

– Estágio como componente curricular: 400 horas = FE: 300h + Inst/Fac.: 100h

– Conteudos de natureza Científico cultural: 1800 horas = FE: 170h + Inst/Fac.: 1630h

– Atividades Acadêmico-cientifico-culturais: 200h =   ?             +         ?

Deixe um comentário